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Debates acerca da reprodução assistida no Brasil

Bárbara Piauilino

No dia 15 de junho de 2021, foi publicada a Resolução nº 2.294 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual atualiza as normas éticas acerca das técnicas de reprodução assistida no Brasil. A Reprodução Assistida (RA) consiste em um conjunto de procedimentos que tem o papel de auxiliar na resolução de problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação (ARAUJO, 2018).


Nas últimas décadas muito se avançou no que diz respeito a técnicas de Reprodução Assistida. Entretanto, as normas não acompanharam tais avanços tecnológicos, causando uma grande defasagem na legislação nacional acerca do tema. O que há atualmente na legislação brasileira se resume à presunção de paternidade que se reconhece a filiação fruto de concepção artificial homóloga e heteróloga, e a previsão de que o filho fruto de reprodução assistida seja contemplado no testamento, ambas dispostas no Código Civil.


No entanto, desde 2003 tramita o Projeto de Lei nº 1.184/2003, o qual, juntamente com outros 21 projetos de lei apensados a ele, visa regulamentar o uso de técnicas de Reprodução Assistida no Brasil. Recentemente, o PL 1.184/2003 foi desengavetado pelo deputado Diego Garcia (PODE-PR) e está em tramitação na Câmara dos Deputados. Algumas das alterações propostas seriam a proibição do congelamento de embriões, biópsia embrionária e da gestação de substituição (conhecida também como “cessão temporária do útero”, e, popularmente, "barriga solidária”). Além disso, os doadores de gametas não seriam mais protegidos pelo anonimato.


A gestação por substituição ocorre quando uma mulher cede o útero para gestar o embrião com origem de fecundação heteróloga ou homóloga. Essa técnica é indicada nos casos em que a mulher que deseja engravidar possui barreiras físicas para tal, tenha algum tipo de contraindicação à gravidez, em caso de relação homoafetiva, ou de pessoa solteira. Assim, a alteração proposta no PL 1.184/2003 afeta diretamente os direitos reprodutivos das pessoas que se encontram nessas condições.


Quanto aos doadores de gametas não poderem mais ser protegidos pelo anonimato, existe grande debate ético a respeito do tema, visto que todo ser humano tem o direito de saber sua origem biológica e seu patrimônio genético. Todavia, crianças geradas a partir de técnica que utiliza doação de gametas têm esse seu direito prejudicado em razão da garantia de anonimato que o doador possui. Nesse sentido, discute-se a respeito do que deve prevalecer: o direito ao anonimato ou o direito de conhecer sua identidade genética.


Atualmente, o que há de mais recente quanto a regulamentação das técnicas de Reprodução Assistida é a Resolução nº 2.294/2021, do CFM. As atualizações trazidas também foram alvo de críticas, principalmente a limitação do número total de embriões gerados em laboratório, que agora não poderá exceder a oito. Alguns médicos argumentam que essa restrição pode diminuir as chances de se obter embriões viáveis por algumas pacientes, bem como aumentar os custos do tratamento em busca de uma gravidez de sucesso. Contudo, essa questão traz consigo algumas discussões bioéticas referentes aos embriões excedentes na técnica de Fertilização in vitro.


Na técnica de Fertilização in vitro, geralmente se obtém um número maior de embriões do que os realmente serão transferidos para o útero da mulher, uma vez que ocorre uma seleção daqueles que têm mais chances de gerar uma gravidez bem sucedida. Assim, os embriões excedentes geram uma discussão acerca do destino a ser dado a eles.


Para compreender o debate ético, é preciso lembrar que o artigo 2º do Código Civil já garante a proteção do nascituro, porém muito ainda se discute sobre quando se inicia a vida. Parte da doutrina defende que o embrião não está abrangido por este dispositivo, já que se diferencia do nascituro por ter vida extrauterina. Portanto, o embrião não possui direitos de um ser humano. Outros doutrinadores defendem que a proteção referente ao nascituro abrange também o embrião pré-implantatório in vitro ou crioconservado, isto é, aquele que não foi introduzido no ventre materno. Sob essa perspectiva, já teria todos os direitos de um ser humano já formado, e deve ser protegido como se assim fosse.


Nesse sentido, para a parte da doutrina que defende a proteção dos embriões, a destinação dada aos excedentes é muito relevante. Uma das possibilidades é o congelamento destes, mas que também gera questionamentos, visto que alguns embriões não resistem a essa técnica, e há o risco de caírem no esquecimento. A Resolução nº 2.294/2021 do CFM já autoriza o descarte de embriões criopreservados com três anos ou mais, mediante autorização judicial. Todavia, a possibilidade do descarte de embriões já gera debates para quem defende seu status de detentor de direitos.


Além disso, a Resolução nº 2.294/2021 também trouxe outras especificações, como: a necessidade de autorização para o descarte de embriões; a delimitação do número de embriões a serem transferidos para o útero da mulher que quer engravidar, conforme a idade da receptora; a previsão expressa do uso das técnicas de reprodução assistida por transgêneros; e a clara permissão para reprodução assistida post mortem, desde que haja autorização específica do falecido para o uso do material genético crioperservado.


Dessa maneira, é possível perceber que os avanços nas técnicas de Reprodução Assistida trazem consigo alguns debates bioéticos, os quais geram questionamentos acerca de como deve ser a regulamentação desses procedimentos, posto que pode representar cerceamento de direitos para uns, e maior segurança e proteção para outros. No entanto, urge ampliar as discussões acerca do tema, pois fato é que essas técnicas estão se difundindo, e muitas crianças têm sido geradas mediante esses procedimentos, as quais precisam ter seus direitos melhor definidos.


Referências:


ARAUJO, Julia Picinato Medeiros de; ARAUJO, Carlos Henrique Medeiros de. Biodireito e legislação na reprodução assistida. Medicina (Ribeirao Preto. Online), [S.L.], v. 51, n. 3, p. 217-235, 26 nov. 2018. Universidade de Sao Paulo, Agencia USP de Gestao da Informacao Academica (AGUIA). http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v51i3p217-235.


ELER, Kalline Carvalho Gonçalves. Tecnologias de reprodução assistida e a questão dos riscos para mulheres e embriões: a ponta de um iceberg. Revista Iberoamericana de Bioética, [S.L.], n. 2, p. 1-13, 11 out. 2016. Universidad Pontificia Comillas. http://dx.doi.org/10.14422/rib.i02.y2016.005.


GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Maternidade de substituição e a lacuna legal: questionamentos. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 5, n. 1, 2016. Disponível em: <http://civilistica.com/maternidade-de-substituicao-e-a-lacuna-legal-questionamentos/>. Acesso em 12 set. 2021.


HINOUE, Natália. Fim da reprodução assistida no Brasil? Especialista fala sobre impactos do PL 1184/2003. UOL, 03/09/2021. Disponível em: <https://cultura.uol.com.br/noticias/38535_fim-da-reproducao-assistida-no-brasil-especialista-fala-sobre-impactos-do-pl-11842003.html>. Acesso em 16 set. 2021.


JANSEN, Roberta. CFM restringe nº de embriões em reprodução assistida e mulheres veem risco de custo mais alto. Terra, 01/07/2021. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/cfm-restringe-n-de-embrioes-em-reproducao-assistida-e-mulheres-veem-risco-de-custo-mais-alto,920b764e9b03e13f7ac5cc66b058ddb7lwir5ivu.html>. Acesso em 16 set. 2021.


ROSA, Rodrigo. Projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados pode inviabilizar reprodução assistida no Brasil. Paranoshop, 19/08/2021. Disponível em: <https://paranashop.com.br/2021/08/projeto-de-lei-em-tramite-na-camara-dos-deputados-pode-inviabilizar-reproducao-assistida-no-brasil/.> Acesso em 12 set. 2021.


VALENTE, Jonas. CFM publica novas normas éticas para reprodução assistida no Brasil. AgênciaBrasil, Brasília, 15/06/2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-06/cfm-publica-novas-normas-eticas-para-reproducao-assistida-no-brasil>. Acesso em 10 set. 2021.

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