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RESENHA - ARQUITETURA DE ESCOLHAS, DIREITO E LIBERDADE: NOTAS SOBRE O PATERNALISMO LIBERTÁRIO

Por Igor Souza

Comumente, o Direito e a sociedade assumem uma ideia de que os indivíduos são agentes racionais, conscientes, coerentes e, prontamente, responsabilizáveis por todas suas escolhas. As teorias jurídicas se ajustam sobre essa ideia de sujeito, a qual, apesar de ser fictícia, é largamente acolhida socialmente. Porém, essa ideia vem sendo cada vez mais posta em questão, muitos indícios indicam que seres humanos são impulsivos, imprevidentes, sujeitos a induções intelectivas das quais não percebem. Em função disso, é questionável se não caberia ao Estado corrigir essas falhas e rumos na tomada de decisão individual, objetivando finalidades socialmente desejáveis.


A ciência comportamental confirma que a maior parte das decisões que tomamos hodiernamente são meramente automáticas, não paramos para pensar, usamos atalhos mentais na tomada de decisão desenvolvidos ao longo da vida. Estes atalhos mentais são muitas vezes compartilhados entre pessoas da mesma cultura. Assim, o Nudge é um “empurrãozinho”, algo que leva pessoas a mudarem, de forma previsível, seus comportamentos e hábitos, beneficiando a si e à sociedade como um todo. Nesse sentido, com os atalhos mentais, desenham-se contextos que geram uma mudança comportamental. Isso sem restringir nenhuma das opções e tampouco mudar expressivamente outros incentivos. O exemplo mais cômico é em algum aeroporto de Amsterdam, no qual pintaram uma mosca no fundo do mictório, fazendo que os homens tentam acertar a mosca e assim reduziu-se o respingo de urina no banheiro em 80%.


Pelo lado do direito, há de se falar que nem sempre as normas se encaixam naquele esquema costumeiro de obrigações, proibições ou permissões, adjuntos a sanções. Para a implementação de políticas públicas, foco central da aplicação dos nudges na sociedade, parece haver uma harmonia desde leis que restringem expressamente a liberdade dos atores sociais até regras que somente estimulam determinados comportamentos desejáveis pela sociedade. Essas condutas estão ligadas à ciência de “arquitetura de escolhas”, isto é, à indução idiossincrática baseada em conclusões oriundas das ciências psicológicas.


O autor suscita uma interessante aplicação dessa tese, pois tal como economistas governamentais trabalham com subsídios e taxas monetárias para corrigir falhas de mercado, abre-se a possibilidade de se refletir em apontamentos de “taxas e subsídios psicológicos”. Essa abordagem pode ser vista como um “subsídio psicológico”, na medida em que a autoimagem de um bom amigo fica conexa à possibilidade de dizer “não” ao companheiro que quer dirigir alcoolizado. Outro modelo citado é o de dez creches em Israel que estabeleceram taxas monetárias para pais que buscavam os filhos muito tarde, tentando, com a lógica econômica, reduzir essa conduta. O resultado foi o justamente o oposto, os pais chegaram ainda mais tarde para buscar seus filhos, pois a “taxa econômica” acabou servindo de “subsídio psicológico”, uma vez que o ambiente social que inibia os pais atrasados deixou de existir precisamente no momento em que eles passaram a ver no pagamento em dinheiro uma justificativa que os dirimia da vergonha de sua atitude.


Sob esse aspecto, as pessoas preferem seguir uma escolha padrão a terem que se esforçar para avaliar refletidamente todas as opções disponíveis. É por esse motivo, que redes de fast food têm como padrão perguntar se o cliente quer adicionar mais queijo ou aumentar sua porção de fritas induzindo o cliente ter que tomar a decisão de recusar, ou que companhias aéreas tentam induzir a venda de “seguros de viagem” em conjunto com a passagem, consentindo a caixa que contém essa opção pré-preenchida (default).


Dentre outros inúmeros exemplos em políticas públicas, cabe destaque da Inglaterra, com mensagens motivacionais semanais para os alunos reduziram em 7% o absenteísmo e em 33% o abandono escolar. Outro modelo prosaico, são os de mensagens para serem enviadas por malas-diretas para beneficiários de previdência, jovens em idade universitária elegíveis para financiamento estudantil e para veteranos de guerra que são público-alvo de programas de subsídio. A simples modificação do teor das mensagens provocou um expressivo aumento na aderência aos programas: ao utilizar opções “default”, utilizar avisos personalizados, dar fácil acesso a hiperlinks, ou mesmo parafrasear frases para frisar os ganhos da decisão que poderia ser tomada, os lembretes foram mais efetivos.


O grande desafio, nesses casos, é como descobrir o contexto mais efetivo para os diferentes estratos de pessoas que serão impactadas. E com base em resultados empíricos, a lógica do Nudge identifica o desenho mais efetivo de uma iniciativa ou política pública, antes de sua implantação em larga escala.


Por um lado, muitos apreendem que isto soa extremamente controlador. Por outro, é difícil não adotar que, se a ordem jurídica se propõe a efetivar direitos fundamentais, direitos sociais e a proteger a coletividade, pois se cada restaurante, operadora de cartão de crédito, agência de viagens ou plano de saúde se vale desses instrumentos, o assunto que se coloca é se poderia o Estado gerar ativamente uma arquitetura de escolhas em prol de ideais de vida mais saudável para seus cidadãos, como reduzir acidentes e incentivar comportamentos ambientalmente corretos.


O contraponto dessa ideia, é a noção entendida como paternalismo libertário, defendendo a tese que, a arquitetura de escolhas priva a liberdade individual de escolher o que o cidadão bem entender. Porém, embora seja uma forma de tutela, não se configura uma depreciação de liberdade dos cidadãos. Apesar de haver receio em relação ao poder do Estado de controlar decisões singulares, é sempre possível se argumentar que se trata de um contorno de manipulação da vontade do cidadão.


A fundamental tese apontada no texto é que incentivos não são obrigações, desde que haja transparência para o alcance de tal feito, Horta enumera uma série de cuidados do Estado, como: não se tratar de uma afronta a liberdade de escolha; abandonar a concepção racionalista de “adultos com autoconhecimento”; limites desejáveis ao poder do estado; usar de forma democrática e transparente, pois a ação do estado nunca é técnica, mas política.


Se aceitamos que o Estado nos obrigue a utilizar capacetes em motocicletas ou cadeirinhas de bebê no banco traseiro, sob o risco de multa, por que não poderia nos dar “empurrões” para que nos alimentemos de forma mais saudável ou poupemos mais energia em casa, se esses são objetivos individual e socialmente desejáveis?


Contudo, provavelmente a maior fonte de resistência a essas propostas venha justamente da recusa a aceitar que, como tomadores de decisão, somos tão irresponsáveis, imprevidentes e impulsivos. O que a ciência vem nos dizendo é que, diante das evidências de tantos vieses cognitivos e desvios em relação à conduta tido como “lógica”, talvez apresentemos que ser mais humildes e duvidar com maior frequência mais de nós mesmos. Esta provavelmente é a parte mais difícil. Com certeza, há muito que se tirar proveito dessa disciplina, gerando mais efetividade e eficiência às ações do Estado.


Afinal, se aceitamos que o Estado possa fazer a regulação econômica, com normas para os mercados de seguro de saúde, leis antitruste, aviação civil ou vigilância sanitária, por que não poderia o Estado fazer a “regulação comportamental”, desde que executada de forma transparente?


REFERÊNCIA


HORTA, R. L. Arquitetura de escolhas, direito e liberdade: notas sobre o Paternalismo Libertário. PENSAR - REVISTA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, v. 22, p. 651-664, 2017.

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