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Reflexões acerca da nova lei de abuso de autoridade
Bárbara Borges Carvalho Piauilino
Em janeiro de 2020 entrou em vigor a nova Lei de abuso de autoridade (lei nº 13.869, de 2019), que por muitos foi vista como uma resposta à atuação dos operadores de direito em investigações envolvendo pessoas que ocupam altos cargos políticos, sociais e econômicos no Brasil. No entanto, a nova lei tem recebido críticas em relação a diversos aspectos da norma, como o questionamento quanto à constitucionalidade de alguns de seus dispositivos, ou à descrição de algumas condutas de forma genérica, com elementos vagos e ambíguos, e, ainda, prejuízos para a atuação de administradores públicos.
Nesse viés, desde que a lei nº 13.869/2019 foi sancionada, diversas ações foram propostas ao Supremo Tribunal Federal (STF), contestando a constitucionalidade de dispositivos dessa nova lei. Um dos argumentos nesse sentido é o de que alguns aspectos da lei representam uma violação às garantias da atuação dos magistrados previstas na Constituição Federal, bem como à independência do Poder Judiciário.
Outras críticas dizem respeito à insegurança jurídica trazida pela norma, causada pela generalidade e ambiguidade de alguns termos trazidos na lei, inclusive o próprio conceito de abuso de autoridade, que, segundo afirmam, não é claro e objetivo. Essa subjetividade inviabilizaria a correta interpretação da lei, bem como inibiria a atuação jurisdicional, dada a possibilidade de interpretações diversas [1]. Nas ações impetradas diante do STF, alega-se que a amplitude de alguns dispositivos causaria receio em agentes públicos ao exercerem suas atribuições, posto que poderiam ser vistas como condutas típicas de algum crime de abuso de autoridade.
Por outro lado, há argumentações no sentido de que é uma lei de difícil aplicabilidade prática, visto que uma das exigências para sua observância é o dolo específico, isto é, para constituir crime de abuso de autoridade, é necessário que o agente aja com a finalidade específica de prejudicar outrem, de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, aja por simples capricho ou satisfação pessoal. Todavia, o elemento subjetivo (que diz respeito ao estado anímico do sujeito) é de árdua demonstração, e essa dificuldade de provar o dolo específico também se torna um obstáculo para a adequação típica [2]. Nesse sentido, argumenta-se que a dificultosa aplicação da lei na prática resultaria em uma manutenção do atual estado das coisas, não sendo efetiva para alcançar a principal proposta da lei, que é evitar ações arbitrárias e exageradas por parte de agentes públicos.
É importante ressaltar que o atual contexto político de polarização, e a grande visibilidade do Poder Judiciário por conta das recentes investigações de corrupção envolvendo figuras de destaque nacional, incluindo a atuação de alguns operadores do direito, fazem com que a lei nº 13.869/2019 pareça uma resposta do legislativo a essa conjuntura [3]. No entanto, no Brasil, práticas abusivas por parte de operadores do direito são comuns, o que torna a reforma na legislação acerca do crime de abuso de autoridade necessária.
Apesar disso, problemas na redação da nova lei, especialmente os que trazem insegurança jurídica aos agentes públicos, são capazes de comprometer a atuação jurisdicional do Estado, fazendo-se necessária a análise acerca da constitucionalidade da lei, com a possibilidade de trazer maiores esclarecimentos acerca da sua interpretação.
Referências
[1] SOUZA, Carola Maciel de. A Nova Lei De Abuso De Autoridade: A Insegurança Jurídica Gerada Pelo Uso De Conceitos Jurídicos Indeterminados E Pela Criminalização Da Hermenêutica Jurídica. Âmbito Jurídico. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-nova-lei-de-abuso-de-autoridade-a-inseguranca-juridica-gerada-pelo-uso-de-conceitos-juridicos-indeterminados-e-pela-criminalizacao-da-hermeneutica-juridica/>. Acesso em 10 fev. 2021.
[2] MAIA, Alneir Fernando S. Nova Lei de Abuso de Autoridade terá difícil aplicação prática. ConJur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-dez-10/alneir-maia-lei-abuso-autoridade-dificil-aplicacao>. Acesso em 10 fev. 2021.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. A nova lei de abuso de autoridade. Migalhas. 2019. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/depeso/312282/a-nova-lei-de-abuso-de-autoridade>. Acesso em 10 fev. 2021.
COGAN, Bruno Ricardo; SILVA, Marco Antonio Marques da. Considerações sobre o abuso de autoridade: desenvolvimento histórico e atualidades. Revista DIREITO UFMS, v. 5, n. 2, p. 270-293. Mato Grosso do Sul, 2020.