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Desafios ambientais: o gerenciamento de áreas contaminadas em desastres ambientais no Brasil

Kelle Cristina Pereira


Durante muito tempo o uso e disposição do solo foi realizado sem muita preocupação, não sendo incomum o descarte de resíduos químicos provenientes de atividades industriais no meio ambiente, contaminando não somente o solo, como também lençóis freáticos e rios.


O que em grande parte se devia ao desconhecimento dos impactos que compostos químicos poderiam causar ao ambiente e aos seres vivos, além da ausência de qualquer legislação ambiental destinada a regular tais situações.


Todavia, o uso indiscriminado do solo, aliado ao descarte indevido de substâncias perigosas levaram a uma série de problemas graves, como catástrofes ecológicas e a contaminação de pessoas, animais e o próprio meio ambiente (CANARIO e BETTINE, 2020, p. 751). o que por sua vez tornou evidente a necessidade de legislações específicas para tutelar o uso dos recursos naturais e os impactos das atividades humanas no meio ambiente.


Apesar da garantia constitucional de um meio ambiente sadio e produtivo, a primeira norma federal destinada a regular temas ambientais foi elaborada em meados do ano 2000, por meio da Resolução CONAMA nº 273, que impunha diretrizes para o licenciamento ambiental (CANARIO e BETTINE, 2020, p. 751-752).


No que se refere especificamente às áreas contaminadas, é somente em 2009, no bojo da Resolução CONAMA 420 que o tema é especificamente disciplinado. A normativa estabelece os valores orientadores da qualidade do solo no que se refere a presença de substâncias químicas, além de definir diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas em decorrência de atividades antrópicas.


Em seu artigo art. 3º a resolução prevê que a proteção do solo deve ser realizada de maneira preventiva, tendo por objetivo garantir a manutenção da sua funcionalidade ou, de maneira corretiva, visando restaurar sua qualidade ou recuperá-la de forma compatível com os usos previstos E ressalta, entre as funções essenciais do solo, servir como meio básico para a sustentação da vida e de habitat para pessoas, animais, plantas e outros organismos vivos, possibilitar a produção de alimentos e outros bens primários de consumo; agir como filtro natural, tampão e meio de adsorção, degradação e transformação de substâncias químicas e organismos; e servir como meio básico para a ocupação territorial, práticas recreacionais e propiciar outros usos públicos e econômicos (BRASIL, 2009).


Apesar de tais disposições, no setor produtivo poucas são as iniciativas das grandes corporações, seja na identificação ou na remediação das áreas contaminadas decorrentes do desenvolvimento de suas atividades ao longo das décadas. Em situação semelhante se encontram as atividades desenvolvidas pelas empresas e órgãos estatais que desenvolvem atividades com potenciais riscos de contaminação dos solos e águas subterrâneas. Em sua maioria, os programas de investigação somente são iniciados após terem sido demandados pelos órgãos ambientais (MAXIMIANO, 2014) ou pelos movimentos e grupos da sociedade civil.


Foi o que aconteceu no desastre ambiental da “Cidade dos Meninos”, na Baixada Fluminense, região em que meados da década de 60 o Ministério da Saúde (à época Ministério da Saúde e Educação) esqueceu toneladas de insumos para fabricação de pesticidas (Hexaclorociclohexano - HCH) em um prédio onde funcionava o Instituto de Mariologia.


Conforme depoimentos de moradores da “Cidade dos Meninos”, durante todo o período de 1962 a 1989, o ‘pó de broca‘, nome como o HCH tornou-se conhecido entre a população local, era comercializado livremente nas feiras e utilizado para combater cupins, ratos e até piolhos, neste caso sendo aplicado diretamente nas cabeças das crianças. A situação, contudo, apenas se tornou conhecida na década de 80 quando foram realizadas denúncias em jornais de grande circulação, acerca do uso e comercialização do HCH, cujo uso havia sido proibido alguns anos antes, em razão dos riscos oferecidos à saúde (MS, 2002 ).


A partir das perícias técnicas realizadas na região foi constatada a presença dos compostos químicos em contêineres expostos ao ar livre, além de grandes quantidades encontradas dentro da antiga fábrica. Pelos relatórios técnicos, ficou comprovada a contaminação do solo, não só na região onde se encontrava a “Cidade dos meninos”, mas em áreas contíguas. O que levou ao isolamento da área no início da década de 90 e a proibição do consumo de qualquer alimento produzido na região (MS, 2002).


Todavia, apesar das primeiras medidas de contenção terem sido adotadas na época, as áreas principais e contíguas permanecem contaminadas, assim como os danos do desastre ambiental não reparados. Nos últimos anos, nenhuma atividade com objetivo de descontaminação da área foi realizada, permanecendo os antigos moradores expostos a insumos químicos que se espalham para novos focos de contaminação.


O caso da “Cidade dos Meninos” não é isolado, os órgão e institutos ambientais têm enfrentado dificuldades na remediação das áreas focos de desastres ambientais, que, em decorrência das atividades humanas, continuam aumentando. Não são raras as denúncias de regiões contaminadas com mercúrio e outras substâncias químicas que comprometem não só a saúde e vida humana, mas a própria contaminação do solo e águas subterrâneas.


A valorização das atividades produtivas e aumento dos riscos por ela produzidas não podem ser ignoradas, o direito a um solo sadio e produtivo é uma garantia fundamental, os episódios de contaminação não são recentes, mas o Estado brasileiro continuam não cumprindo as diretrizes estabelecidas, seja na prevenção ou contenção das áreas contaminadas.


Referências


BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 420, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas. Brasília, DF, dez de 2009. Disp. em: https://cetesb.sp.gov.br/areas-contaminadas/wp-content/uploads/sites/17/2017/09/resolucao-conama-420-2009-gerenciamento-de-acs.pdf. Acesso em: 17 de setembro de 2021.

CANARIO, Paula Giovana Grangeiro; BETTINE, Sueli do Carmo. GERENCIAMENTO DE ÁREAS CONTAMINADAS NOBRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA. São Paulo: UNESP, Revista Geociências, v. 39, n. 3, p. 751 - 764, 2020.


MAXIMIANO,Alexandre Magno de Sousa; MORAES,Sandra Lúcia de; TEIXEIRA, Cláudia Echevenguá. Guia de elaboração de planos de intervenção para o gerenciamento de áreas contaminadas. 1ª ed, São Paulo : IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo : BNDES, 2014..


MINISTÉRIO DA SAÚDE(MS). Departamento de Ciência e Tecnologia em Saúde (DECIT). Secretaria de Políticas de Saúde. Atuação do Ministério da Saúde no caso de contaminação ambiental por pesticidas organoclorados, na Cidade dos Meninos, município de Duque de Caxias, RJ. Brasília (DF): Editora MS; 2002.

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