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  • Foto do escritorPET Direito UnB

A desigualdade ou as desigualdades?

Atualizado: 15 de mar. de 2021

Breno Vaz Rosa



Com a chegada do Coronavírus no Brasil, repetia-se à exaustão discursos sobre como todos estariam enfrentando juntos a pandemia, mas agora visões críticas ganharam espaço ao apontarem que certos indivíduos estão sendo muito mais prejudicados. Esse cenário serviu para evidenciar a desigualdade brasileira, deixando nítido que negros e mulheres estão longe de terem as mesmas condições que homens brancos. A partir de tal inquietação, Giulliana Bianconi, no artigo Voto que considera gênero e raça ganha mais importância, projeta que os candidatos que construírem um plano de governo contra a desigualdade serão preteridos nas eleições municipais. A população feminina e negra anseiam por medidas que visem reparar as injustiças, as quais são submetidas. Entretanto, ser apenas contra a desigualdade não basta, é necessário que o candidato apresente como será feito o combate à problemática (BIANCONI, 2020). Nesse sentido, é importante que o cidadão compreenda algumas formas de se lidar com a desigualdade para escolher as propostas que melhor atenderão seus anseios. Para tanto, o presente artigo irá trazer as visões de Rawls, Fraser e Hill Collins com o intuito expor a complexidade do tema.


A partir do princípio da diferença, John Rawls propõe que todos tenham, no mínimo, acesso a bens básicos, mas rechaça a ideia de que todos devam ter as mesmas condições materiais. Isso se justificaria na possibilidade de utilizar a desigualdade para gerar uma melhor qualidade de vida a todos. Nesse sentido, são propostos mecanismos compensatórios que transfiram alguns frutos dos indivíduos mais prósperos para os menos favorecidos. Entretanto, o teórico prega a necessidade de haver igualdade em relação às oportunidades e direitos para que os indivíduos sejam constituídos de liberdade e autonomia para buscarem seus ideais de vida boa (RAWLS, 1993, pp 155-192). Caso o leitor entenda que a desigualdade em si não é um problema e sim a forma como lidamos com ela, logo se identificará com os ensinamentos de Rawls na obra Justiça como equidade.


O cidadão pode entender que a desigualdade também é uma questão cultural e econômica, o que o levará a preferir a linha de raciocínio de Nancy Fraser exposta na obra Da redistribuição ao reconhecimento. A autora pontua que existem as injustiças econômicas, em que ocorrem a exclusão material e marginalização de determinados grupos, e a busca desses indivíduos pela igualdade entre todos. Por outro lado, existem as injustas culturais, nas quais impera o não reconhecimento ou a produção de estereótipos de grupos não pertencentes à um padrão relacionando ao grupo dominante. Em consequência disso, haveria a pretensão de que a sociedade reconhecesse as diferenças ao invés de impor uma identidade cultural única. Entre esses dois aspectos, existiriam os grupos ambivalentes, tais como de gênero e raça, na medida em que estariam inseridos em um dilema de redistribuição/ reconhecimento, pois a opressão que sofreriam perpassaria pela área econômica e cultural e demandaria ações conjuntas nos dois campos (FRASER, 2001, pp 245-262).


Caso o leitor pense que a desigualdade é fruto de múltiplos aspectos e se deve integrar os cidadãos outrora excluídos no debate para então construir as medidas cabíveis, logo a obra de Patricia Hill Collins será a mais indicada. A autora, em Epistemologia feminista negra, traz que o cenário vivido por grupos femininos e negros não é único, posto que há busca por diferentes propósitos dentro desses segmentos. Ademais, Hill-Collins expõe a partir do conceito de interseccionalidade que todos os indivíduos sofrem uma simultaneidade de opressões. Nesse sentido, a desigualdade se estruturaria em um sistema que interconectaria as diferentes formas de opressão, formando as identidades que se conhecem hoje, como gênero e raça. Para tanto, é proposto um projeto de conhecimento intersecional baseado na pesquisa profunda do cenário atual, rechaçando teorias uni-causais e pontuando visões críticas sobre as medidas tomadas. Em relação ao último ponto, a teórica destaca a importância da inclusão da mulher negra, a qual passou anos tendo seu conhecimento invalidado e excluído dos debates, sendo que para entender nossa realidade será necessário estabelecer novas de formas de captar esses saberes (COLLINS, 2019, pp 139-148).


É notório que o entendimento sobre a desigualdade é complexo e existem diferentes formas de se lidar com a problemática. Por isso, o presente artigo propõe a reflexão para que se possa observar as propostas políticas com um olhar crítico, cobrando por medidas com que nos identificamos. Não importa se a sua preocupação com a desigualdade está relacionada a aspectos materiais, materiais conjugados com culturais ou múltiplos, mas não se pode mais apenas aceitar discursos vazios. Urge que sejam eleitos governantes com posturas firmes capazes de conduzirem a transformação exigida. Infelizmente, este artigo foi produzido após as eleições municipais, mas 2022 não está longe e os ensinamentos desses teóricos podem auxiliar para que os debates sobre o tema não se esmoreçam até lá ou para cobrar posturas dos atuais governantes.


Fonte: G1.globo.com

Referências

BIANCONI, Giualliana. Com agravamento de desigualdade, voto que considera gênero e raça ganha mais importância. Disponível em: https://epoca.globo.com/giulliana-bianconi--coluna/coluna-com-agravamento-de-desigualdade-voto-que-considera-genero-raca-ganha-mais-importancia-24733614. Acesso em: 01 de Dezembro de 2020.


COLLINS, Patricia Hill. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019, p. 139-170


FRASER, Nancy. Da Redistribuição ao Reconhecimento? Dilemas da Justiça na era Pós-Socialista. In: SOUZA, Jesse (org.). Democracia Hoje: Novos desafios para a teoria democráticas contemporânea. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001. p. 245-282


RAWLS, John. Justiça como equidade. In: KRISCHKE, John. O contrato social: ontem e hoje. São Paulo: Cortez, 1993. p. 155-192


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